sexta-feira, 23 de julho de 2010

A legislação do Aborto no Brasil: Passado e Presente


No Brasil o aborto foi contemplado em legislação específica, pela primeira vez, no capítulo referente aos ?crimes contra a segurança da pessoa e da vida? do Código Criminal do Império

Até então a prática do aborto não era punida em qualquer caso: fosse quando a mulher recorria ao auto-aborto ou quando outra pessoa realizasse o procedimento. O Código Penal da República, de 1890, introduziu a punição das mulheres que praticassem o aborto. Mas estabeleceu atenuantes para os casos de estupro em que o recurso ao aborto visava a ?ocultar a desonra própria?. Também adotou a noção de aborto legal e necessário quando não houvesse outro meio de salvar a vida da gestante. O Código Penal de 1940 trata do aborto no Título I (Dos Crimes contra a Pessoa) Capítulo I (Dos crimes contra a vida), criminalizando-o em todas as hipóteses, exceto quando se trata de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resulta de estupro. Nos dois casos extingue a punibilidade, ou seja, o direito do Estado de punir a prática do aborto executado por médico, daí serem consideradas como hipóteses de Aborto Legal. A sociedade brasileira conviveu com esta lei restritiva, sem maiores contestações, até a década de 1970. A partir de então, a emergência do movimento feminista contemporâneo ? sintonizado com o que acontecia na Europa e nos Estados Unidos ? fez do aborto um tema cada vez mais público. Embora as condições determinadas pelo regime militar tenham limitado a visibilidade desta ação na agenda política brasileira, ao se intensificar a transição para a democracia, no final da década, aborto e sexualidade apareceram como pautas prioritárias da agenda feminista no país. A primeira iniciativa de reforma legal aconteceu em 1983, quando um projeto de lei pela legalização do aborto foi apresentado à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e rejeitado. Em 1985, no Rio de Janeiro, a Assembléia Legislativa aprovou projeto de lei que obrigava o serviço público de saúde a oferecer o procedimento nos dois caso previstos pelo Código Penal. O então governador do estado ? que num primeiro momento havia sancionado ? vetou o projeto. Mas a proposta de assegurar na rede pública de saúde o acesso ao aborto nos casos de risco de vida e estupro foi retomada pela administração municipal de São Paulo, que criou no Hospital do Jabaquara, em 1990, o primeiro serviço público para atender os casos de aborto previstos pela lei penal. É ainda importante sublinhar que diferentemente de outros países católicos que, entre os anos 1980 e 1990, experimentaram reformas constitucionais, a Constituição Brasileira de 1988 não adotou o princípio de respeito à vida desde a concepção. Em 1995 foi mais uma vez debatida e derrotada proposta de emenda constitucional que visava a incluir este princípio no preâmbulo da Constituição. Após 1991 foram apresentados no Congresso Nacional, mais ou menos em igual número, diversos projetos favoráveis ou contrários, seja ampliando ou restringindo os permissivos legais, seja com o objetivo de facilitar ou barrar o acesso aos serviços de saúde no caso dos dois permissivos vigentes. Em 2001 a deputada Jandira Feghali (PCdoB/ RJ), responsável pela relatoria do conjunto de projetos que propunham alteração do Código Penal, apresentou um substitutivo ao PL 1135/91, com parecer favorável à aprovação de todas as propostas liberalizantes e rejeição dos projetos restritivos. Merece destaque a ampliação do número de serviços de aborto para atender os casos legais no SUS ao longo dos últimos quinze anos. Segundo informações da Área Técnica da Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, são 51 serviços de aborto legal em funcionamento no país. A Norma Técnica de Atenção aos Agravos da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, aprovada pelo Ministério da Saúde em outubro de 1998, foi um instrumento fundamental para garantir esta ampliação. No mesmo período, a crescente obtenção de diagnósticos da mal-formação fetal grave a partir da 12ª semana de gravidez, por meio de ultra-sonografia ou de ressonância magnética, também possibilitou avanços de jurisprudência. Desde 1990, cerca de três mil liminares foram concedidas autorizando a interrupção da gravidez nessas circunstâncias. Vale lembrar ainda que na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo-1994) reconheceu-se o aborto como grave problema de saúde pública. Um ano mais tarde, na Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim-1995) foi adotada a recomendação de que os países revissem as leis que punem as mulheres que recorrem ao aborto. O Brasil é signatário, sem reservas, dos Programas de Ação acordados nas duas conferências. Tramitam atualmente no Congresso Nacional 28 propostas que, direta ou indiretamente, referem-se ao tema. Há propostas para estender os benefícios da lei aos casos de mal-formação fetal; outras querem autorizar a interrupção a partir da decisão da mulher, levando em conta o tempo da gestação; e há também as que objetivam suprimir do Código Penal o artigo que caracteriza o aborto como crime. Mas também há projetos que retrocedem, retirando da lei os casos em que a interrupção da gravidez está permitida. Paralelamente, o mundo testemunha o franco recrudescimento de opiniões conservadoras em relação ao aborto. No Brasil, esta nova onda foi impulsionada pela visita do papa João Paulo II, em outubro de 1997. Em dezembro do mesmo ano, grupos pró-vida conseguiram impedir aborto autorizado judicialmente no caso de uma adolescente vítima de estupro que já estava internada em maternidade pública do município do Rio de Janeiro para a realização do procedimento. A partir de 2002, multiplicam-se denúncias anônimas contra mulheres que recorrem ao aborto clandestino. No Rio de Janeiro, uma jovem grávida de seis meses e em processo de abortamento foi denunciada pela médica que a atendeu e em seguida algemada na cama do hospital, de onde saiu para o cárcere. A Promotoria de Justiça acusou a jovem de ?homicídio qualificado?, mas o Ministério Público pediu a desclassificação dessa denúncia criminal, conseguindo a substituição para ?crime de aborto?. Ela teve o benefício da suspensão do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95). A despeito dessas condições desfavoráveis, entre 2004 e 2005 surgiram oportunidades de reforma legal e jurídica e o debate instalou-se de maneira mais ampla no país. Isto se deu por duas vertentes: o debate sobre antecipação terapêutica do parto nos casos de anencefalia (cabeça fetal com ausência de calota craniana) e o processo político que resultou no Projeto de Lei formulado pela Comissão Tripartite para a Revisão da Legislação sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez. Em 1º de agosto de 2005, a Comissão Tripartite encerrou seu trabalho com a elaboração de um anteprojeto de lei que propõe a descriminalização do aborto no Brasil para ser encaminhado ao Congresso Nacional.

http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/09/330928.shtml

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